Escrever em blog é um exercício de exposição. De traduzir em palavras histórias, experiências, emoções, opiniões… e quando se trata de um breve relato sobre uma vivência sua, é ainda mais delicado. Demorei para iniciar este post. Ele já morava em meus pensamentos há um bom tempo. Percebi que processar tudo que vivi nesta experiência de trabalho em África, por longos 13 meses e, mais do que isso, selecionar o que faz sentido compartilhar aqui, mereceu mesmo este tempo de maturação. Neste 24 de julho de 2024 completou exatamente seis meses que voltei para casa. E desta vez para São José dos Campos, São Paulo. Não mais para Natal (RN), onde vivi por mais de vinte anos.
A pergunta que intitula este texto é a que mais respondi do ano passado pra cá, sempre em ocasiões presenciais, nos cursos Papo de Mídias e também pelo whatsapp e DMs por aí. Ao longo de 2023, postei pouco, gravei pouco, suspendi meu podcast e expliquei menos ainda. Por isso algumas pessoas que já me acompanhavam nas redes, chegaram a achar que eu tinha me mudado de vez ou que estava a turismo. Mas não foi nada disso.
Fui para um trabalho na cidade de Luanda, em Angola. Jamais imaginei que um dia teria condições de visitar a África, muito menos trabalhar na África. Por isso em novembro de 2022, quando recebi o convite da Lunna Comunicação para trabalhar com educação midiática e produção multimídia em uma rede de rádio, tv e internet, não pensei duas vezes – mentira ‘risos’: pensei muitos dias, avaliei todas as condições que a empresa oferecia, o transporte, a moradia, a segurança, pesquisei sobre a cidade, para só depois aceitar a proposta de trabalho.
Um 2023 angolano
Daí em diante tudo foi muito rápido. Muitos perrengues para resolver, minha casa em Natal, o encerramento dos trabalhos na rádio (saudades da minha coluna diária na 91FM) e com os cursos Papo de Mídias. Quem iria cuidar das minhas gatinhas Niina e Manu? O que levar na bagagem? O que não levar? Ah, e tinham as vacinas… enfim, naquele momento só minha família e os amigos mais próximos sabiam da grande novidade.
Quando uma mudança dessas acontece na vida da gente, a vida da gente passa inteira na nossa cabeça né… lembro com muito carinho e até nostalgia dos meus últimos dias em Natal, dos brindes com cervejas, dos encontros especiais, do café com bolo lá em casa com os amigos, da festa de despedida surpresa preparada por pessoas muito queridas e até da despedida que fiz sozinha, de cada cômodo da minha casa, porque naquele momento eu já sabia que na volta para o Brasil, ficaria em São Paulo, para dar continuidade ao meu Doutorado, não moraria mais naquela casa do bairro Capim Macio, onde fui tão feliz. Ali eu percebi que as coisas realmente iriam mudar! Embarcava, com frio na barriga, para realizar um sonho que eu já nem ousava mais sonhar, ainda mais depois do período difícil que foi a pandemia.
Cheguei em São Paulo em janeiro de 2023 e entre reuniões online, organização de documentos, aprovação do visto de trabalho no consulado angolano, no fim do mês segui para Angola. Na bagagem a certeza de que eu não voltaria a mesma depois desta experiência. Seriam 3 meses fora do país. O que para mim já era um recorde, só tinha passado no máximo 15 dias, quando fui para a Disney (EUA) comemorar meus 15 anos. Faz tempo, muito tempo! E lembro também daqueles cinco dias em Buenos Aires, na Argentina, lá em 2012. (risos)
Consultoria, cursos e a criação do talk Show ‘Conversas com Mell‘
Quem diria que os três meses de trabalho em Luanda, virariam 13 meses! Eu mesma duvidei… muitas vezes! Até abril, eu era a única mulher do grupo de profissionais brasileiros que atuavam em consultoria para os diversos departamentos da Rede Girassol, nova emissora de rádio e televisão que tinha iniciado suas operações em Angola, durante as transmissões da Copa do Mundo do Catar, em novembro de 2022. Trata-se de um dos primeiros projetos de comunicação multiplataforma da África. Um marco na história da comunicação social angolana.
Estive lá como empresa (Papo de Mídias), fornecendo consultoria em projetos multimídia no setor do Entretenimento e cursos para os profissionais de jornalismo da casa. Ministrei aulas sobre Técnicas de apresentação de telejornais; Produção de conteúdos digitais e Direção de programas de TV. Na área do entretenimento fui responsável pela criação e consultoria de gestão e comunicação do programa ‘Conversas com Mell’, um talk show feito por mulheres para mulheres. A equipe também contava com profissionais homens, porém a apresentação, as convidadas em estúdio, as reportagens, assim como a produção e direção, eram das mulheres. Tenho muito orgulho de saber que “esta filha” segue brilhando na África e para o mundo, semanalmente através do canal da Rede Girassol, no youtube. Nas fotos que inclui aqui, alguns dos bastidores deste trabalho.
O projeto multiplataforma do ‘Conversas com Mell’ que passou por várias etapas, e claro, envolveu muitos outros consultores e profissionais angolanos. Meu foco era o conteúdo, desde a pesquisa, passando pela escrita do projeto e trabalhos nas diversas etapas de consultoria para formação da equipe e acompanhamento da primeira fase do programa. Foram sete meses entre pesquisa, desenvolvimento, aprovação do projeto pela direção da casa, entrevistas e seleção da apresentadora, produção e construção do cenário, testes, gravações de pilotos, além do planejamento e execução das ações de comunicação multimídia para o tão sonhado lançamento, em setembro de 2023. Também tivemos muitos perrengues nos bastidores, desafios, lágrimas, dores. Hoje olho para trás e penso que tudo valeu a pena. Daria um livro (risos)! Por questões contratuais, todo o trabalho desenvolvido naquele momento era sigiloso. Aliás, este foi o principal motivo pelo qual não compartilhei esta jornada in real time.
Após o lançamento do programa, fui responsável pela consultoria e acompanhamento da equipe de produção, gravação e edição de cada programa semanal, até o fim de janeiro de 2024. Juntas, com Mell, Madalena, Alexandra, e tantas outras mulheres fantásticas que se dedicaram ao projeto, estabelecemos uma organização que serviu de modelo para os demais programas da casa. A Mell Chaves, nossa apresentadora, atualmente amiga querida, fez toda a diferença neste processo, com sua experiência de comunicadora e de mulher de negócios. Saudades das nossas conversas nas reuniões e trocas que iam do look do dia, passando pela pauta séria que daríamos destaque no programa da sexta-feira, até os encontrinhos no shopping, nos finais de semana.
E aqui uma curiosidade: Em Angola as sextas-feiras são animadas! Popularmente este dia da semana é chamado de ‘dia do homem’, dia deles saírem com os amigos, mas aqui também cabem outras interpretações que ouvia por lá na roda de amigos e que você já pode até imaginar. Diante disso, consegue imaginar o burburinho que foi a empresa aprovar a exibição de um programa feminino, que destacava as mulheres, nas noites de sextas?
Pra você entender a dimensão deste significado, no Brasil temos muitos programas que discutem assuntos sobre e para as mulheres, como o ‘Saia Justa’, o ‘Superbonita’, o ‘Bom dia Obvius’ e o ‘Corre Delas’, entre muitos outros, nos mais variados formatos multimidiáticos. Em Angola, este movimento ainda pode ser considerado recente. Há poucos programas. Muitos deles inclusive já nem estavam no ar em 2023. Por isso, naquele momento o ‘Conversas com Mell’ chegou cumprindo um papel social importantíssimo: o de dar visibilidade às mulheres de destaque da sociedade angolana, seja pelo seu currículo, pelo cargo de liderança em empresas, na pesquisa científica e na cultura africana. Assim, foi memorável recebermos a cada sexta-feira, professoras, psicólogas, cientistas, gestoras, médicas, para falarem dos mais variados assuntos para as mulheres e as famílias angolanas.
Angola está no coração
Fui para Angola para ensinar, compartilhar conhecimentos, experiências em comunicação profissional e não tenho vergonha em reforçar que levei minha metodologia criada e fundamentada em anos de estudos e trabalhos práticos em emissoras de rádio e televisão no Brasil. Como mulher, empreendedora, pesquisadora e jornalista, me inspirei ao longo da carreira em muitas mulheres. Sinto que também é meu dever destacar e reforçar este crédito, para também incentivar outras mulheres.
Fui para Angola principalmente para aprender. Nossa! Como aprendi!!! Acredito que tudo o que vivi ao longo deste um ano e um mês jamais caberá em um post. Foi uma honra conhecer e conviver com a cultura angolana durante este período. Nas poucas horas vagas e dias de folga conheci um pouco mais de Luanda, com sua arquitetura que por vezes parece que você está em um filme, com seus prédios antigos e cheios de aparelhos de ar condicionados do lado de fora, contrastando com os prédios sofisticados, cujos espelhos refletiam os tons alaranjados do sol no fim da tarde. Nunca esquecerei o pôr-do-sol de Luanda. Sem dúvida alguma, os mais lindos que já vi na vida.
Luanda e seus bares coloridos com músicas animadas e drinks maravilhosos. Luanda e a simpatia das pessoas nas ruas, nas lojas, nos museus, cinemas, shoppings. Angola e seus lugares com praias paradisíacas como Cabo Ledo, que fica no município de Quicama, próximo da capital. Angola respira tradições culturais, orações, famílias, cores e sabores. Guardo no coração todas as angolanas e angolanos com quem tive o prazer de trabalhar. E sei o quanto cada profissional angolano com quem convivi foi grato pelas formações e experiências compartilhadas. O que verdadeiramente importa permanecerá vivo na memória, como um doce, ácido e fresco aperol, nas noites de clima ameno, no meu restaurante preferido, perto do hotel. Ou como suco de múcua com gengibre nos almoços de domingo.
Até! Erika Zuza
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